Notícias

Pela descriminalização do porte de drogas para o uso pessoal

No papel de amicus curiae no histórico julgamento do RE nº 635.659-SP no STF, o IDDD defendeu a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas

Presidente do IDDD, Augusto de Arruda Botelho, durante sustentação oral no STF no julgamento do dia 19.
Presidente do IDDD, Augusto de Arruda Botelho, durante sustentação oral no STF no julgamento do dia 19/08.

No dia 19 de agosto, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deu início ao julgamento histórico do Recurso Extraordinário (RE) nº 635.659-SP, que sustenta a inconstitucionalidade do crime de porte de drogas para consumo pessoal. O recurso foi interposto pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo contra decisão do Tribunal de Justiça paulista, que manteve a condenação do acusado em primeira instância pelo porte de 3 gramas de maconha, encontrados em sua cela, quando estava preso em um Centro de Detenção Provisória.

O Recurso chegou ao STF em 2011 e o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) foi habilitado como amicus curiae nos autos do processo em 5 de junho de 2012. No julgamento do último dia 19, além do IDDD, representado por seu Presidente Augusto de Arruda Botelho, estavam presentes e sustentaram oralmente a inconstitucionalidade do dispositivo legal Cristiano Ávila Maronna (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM), Luciana Boiteux (Associação Brasileira de Estudos Sociais sobre o Uso de Psicoativos – ABESUP), Pierpaolo Bottini (Viva Rio), Rafael Custódio (Conectas Direitos Humanos, Pastoral Carcerária, Instituto Terra, Trabalho e Cidadania – ITTC e Instituto Sou da Paz) e Rodrigo Melo Mesquita (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros – ABGLT) para defender que o crime do porte de drogas para uso próprio viola o princípio da intimidade e da lesividade e, por isso, é inconstitucional.

“Nosso ordenamento jurídico não pune a autolesão, e o consumo de drogas é um ato típico de autolesão”, destacou Augusto de Arruda Botelho, para quem a decisão do STF será um ponto de partida para a necessária revisão da política de drogas brasileira, reforçando o fracasso do modelo atual.

Botelho também argumentou que a descriminalização do porte não irá estimular o aumento do consumo de drogas e, para isso, destacou o exemplo da Argentina, que por decisão de sua Suprema Corte, fez essa opção no ano de 2009. “No caso da Argentina a descriminalização trouxe uma redução do consumo. Ou seja, o exercício de futurologia feito aqui [em outras sustentações do julgamento] de que o consumo irá aumentar, não condiz com uma realidade bem próxima da nossa, de um país vizinho”. Para concluir, reforçou: “Existem vias terapêuticas e pedagógicas, absolutamente alheias ao Direito Penal, para evitar e regulamentar a conduta do uso de drogas, assim como já fazemos com o álcool e com o tabaco”.

Confira a íntegra do julgamento do dia 19 de agosto.

Votação
Após a sustentação de todos os amici curiae do processo, o Ministro Relator da matéria, Gilmar Mendes, opinou pela retomada do julgamento no dia posterior. Assim, na quinta-feira (20), o Ministro leu seu voto, que decidiu pela inconstitucionalidade do crime de porte de drogas para uso pessoal. Segundo o Ministro Relator, a criminalização estigmatiza o usuário e compromete medidas de prevenção e redução de danos, além de infligir o direito ao livre desenvolvimento da personalidade e ser uma punição desproporcional.

O Relator propôs que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) regulamente, no prazo de seis meses, audiências de custódia específicas para a matéria, nas quais caberá ao juiz “avaliar a situação do flagrado ou indiciado, analisando se os indícios são preponderantes para afastar a finalidade do consumo pessoal”. Além disso, solicitou que o CNJ apresente relatórios semestrais sobre as providências tomadas e os resultados obtidos nessas audiências. O Ministro ainda citou o PLS 554/2011 que tramita no Congresso e que introduz as audiências de custódia em nosso ordenamento jurídico, destacando que “para casos de tráfico de drogas, não há razão para esperar alteração legislativa”.

Para Roberto Garcia, associado do IDDD e autor das razões apresentadas pelo Instituto na qualidade de amicus curiae, “o voto do Ministro Gilmar mostra um STF firme na defesa dos direitos individuais, corajoso na adoção de teses inovadoras (a inconstitucionalidade da criminalização do porte e as audiências de custódia) e atento à realidade das ruas e às mazelas das abordagens policiais”.

“É o início de um julgamento importantíssimo que tenderá a ser histórico na fixação de que nossa Constituição protege o indivíduo contra a intromissão indevida do Estado e de que a democracia brasileira não admite que direitos de minorias sejam sufocados pela opinião majoritária, por mais respeitável que seja”, complementou Garcia.

Retomada
Após a leitura do voto do Ministro Relator, o Ministro Luiz Edson Fachin, segundo a votar, pediu vista dos autos do recurso. Porém, na segunda-feira (24), Fachin já divulgou um comunicado para a imprensa informando que irá devolver o processo para a retomada do julgamento até o dia 2 de setembro, conforme prevê o regimento do STF. Na continuidade do julgamento, votarão, ainda, os Ministros Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e, por último, o presidente Lewandowski.