Arnaldo Malheiros Filho, presidente do Conselho Deliberativo do IDDD, fala sobre amicus curiae em incidente de inconstitucionalidade da pena para equiparações na lei dos remédios
O Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) tem a litigância estratégica como uma de suas principais atividades, realizada desde a sua fundação, em julho de 2000. Já são mais de 15 casos nos quais o IDDD busca conquistar entendimentos mais justos e atentos ao direito de defesa.
Um destes casos é a sua admissão como amicus curiae no incidente de inconstitucionalidade tirado do habeas corpus 239.363-PR, em análise no Superior Tribunal de Justiça, que discute o texto disposto no art. 273, § 1º – B do Código Penal, inserido por meio da Lei 9.677/1998 (“Lei dos Remédios”), que inclui a falsificação de quaisquer produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais entre os crimes hediondos, equipara cosméticos e saneantes a remédios e produtos sem nota fiscal a falsificados. Antes de sua publicação, a pena para crimes como esse variava de dois a seis anos de prisão. A pena se tornou mais rígida no contexto de um caso de falsificação de medicamentos vitais.
Arnaldo Malheiros Filho, presidente do Conselho Deliberativo do Instituto, realizou recentemente a sustentação oral no julgamento da matéria pela Corte Especial. O julgamento, suspenso pela segunda vez por pedido de vista, deve ser finalizado no início do próximo ano, mas já conta com sete votos a favor de, em interpretação conforme, aplicar-se a pena prevista para o pequeno traficante (§ 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06), inclusive com direito a substituição de pena.
Confira, a seguir, a entrevista sobre o caso dada pelo advogado ao IDDD:
Do que se trata a “Lei dos remédios” e porque pode ser considerada inconstitucional?
Arnaldo Malheiros Filho: Se é que podemos falar em crimes hediondos, e a legislação fala que há crimes hediondos, eu diria que o crime mais hediondo que existe é a falsificação de um remédio que seja vital. Ou seja, um remédio que se a pessoa não tomar, morre. Porque quem falsifica um remédio vital assume o risco de matar uma pessoa que nem conhece simplesmente para ganhar dinheiro. Por isso, veio a ideia de se criar uma lei que penalizasse as falsificações, com pena de dez a 15 anos de prisão. Estou de acordo. Mas o texto traz “falsificar medicamento”. Então, o sujeito que falsifica um Tylenol, por exemplo, pode pegar, no mínimo, dez anos de cadeia. Isso não tem cabimento! Mas ainda piora: equipara-se ao remédio o cosmético. Então, quem fizer um esmalte de unha que não seja o registrado, pega dez anos de cadeia. Equipara-se o saneante, ou seja, uma cândida ou um detergente para lavar louça. Dez anos de cadeia. Equipara-se a falso o que não tiver registro na Anvisa, uma questão administrativa. Se o registro venceu ou foi importado irregularmente, é falso.
Agora, imaginemos a situação de alguém que tem um parente doente e descobre um remédio já aprovado nos Estados Unidos, vendido em farmácias, mas que aqui ainda não é vendido devido à burocracia da Anvisa e à falta de registro. Se essa pessoa for até os Estados Unidos buscar o remédio para o parente e passar por revista da Polícia Federal no aeroporto, pode ser presa e ficar, no mínimo, dez anos na cadeia. Isso é totalmente sem sentido. É tão sem sentido que houve decisões no judiciário que davam para os agentes dessas formas equiparadas, a pena do tráfico que, por incrível que pareça, é metade. A pena mínima do tráfico é de cinco anos. E isso não é tráfico, é outra coisa.
Como surgiu a oportunidade de figurar como amicus curiae no tema?
AMF: Apareceu um caso do Paraná no STJ, um habeas corpus impetrado pelo advogado João Gomes Filho questionando a constitucionalidade deste artigo [art. 273, § 1º – B do Código Penal]. O IDDD tomou conhecimento pela mídia do meio forense e pediu para se habilitar como amicus curiae neste incidente de inconstitucionalidade, mandado para a corte especial do STJ, responsável por julgamentos deste tipo. Como este incidente de inconstitucionalidade está muito acima da causa do paciente, que foi preso por vender anabolizantes que não tinham nota fiscal, o IDDD entrou pela tese.
E o que foi sustentado oralmente pelo senhor no plenário?
AMF: Em primeiro lugar, eu sustentei a inconstitucionalidade absoluta da lei, para que o tribunal simplesmente declarasse que estes dispositivos não têm validade. E, subsidiariamente, assim como disse o relator do caso, sugeri uma interpretação conforme, mais proporcional. Porque não é possível que o traficante, que vende cocaína, tenha metade da pena do sujeito que estava vendendo um anabolizante sem nota fiscal.
A lei, da maneira como está escrita, é inconstitucional. Mas é possível interpretá-la de uma maneira que tenha conformidade com a constituição. Isso é uma doutrina que surgiu na Alemanha e foi trazida para o Brasil para evitar casos como esse, em que a inconstitucionalidade de uma lei leva os casos a um “buraco negro”. Porque o anabolizante não é inócuo, já que pode causar hepatite, mas não é a mesma coisa que falsificar um remédio vital.
A interpretação conforme sugere que se aplique a pena do pequeno traficante para este tipo de caso. Então temos, pela lei dos remédios, a pena mínima de dez anos. A do tráfico é de cinco anos e a do pequeno traficante, reduzida de um a dois terços, que comporta pena substitutiva. E para que seja acolhida pela maioria do plenário, só nos falta um voto. Ao meu ver, isso é uma vitória para o direito de defesa. Então, para mim, é resultado de uma importante atuação do IDDD.
Se declarada a inconstitucionalidade, o que se espera da atuação do judiciário em casos semelhantes?
AMF: Acredito que, se declarada a inconstitucionalidade, o judiciário acompanhará a decisão do STJ em casos parecidos. Porque o STJ tem essa função constitucional de unificar a jurisprudência, a interpretação das leis federais. A decisão não é como a súmula vinculante do Supremo, mas é uma diretriz que a maioria do judiciário deve seguir.