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Organizações repudiam PEC que cria polícia penal

Proposta foi aprovada nesta quarta (9) pela Câmara dos Deputados

Nesta semana, mais de 80 organizações e movimentos sociais criticaram a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que cria a Polícia Penitenciária. A proposta foi aprovada nesta quarta-feira (8) pela Câmara dos Deputados com 402 votos favoráveis. Caso o texto seja aprovado em segundo turno e ratificado pelo Senado, agentes penitenciários federais e estaduais passariam a formar uma nova força policial.

Na carta, as entidades – entre elas, o IDDD – alertam que a PEC alteraria a natureza do trabalho dos agentes prisionais, hoje responsáveis pela custódia das pessoas presas. Com a mudança, afirmam, eles passariam a atuar como agentes de segurança, reproduzindo a lógica militar em estabelecimentos superlotados e sob enorme pressão.

As organizações também destacam que as atribuições da nova Polícia Penal entrariam em conflito com as responsabilidades das demais polícias – como é o caso da investigação de crimes ocorridos em estabelecimentos prisionais, que hoje é atribuição das polícias civis dos Estados.

O debate provocou divisão, inclusive, entre os parlamentares da oposição ao governo. Alguns consideram que a PEC pode trazer reconhecimento para a classe dos agentes penitenciários.

As organizações, por outro lado, sustentam que, assim como os agentes, as polícias também estão sujeitas a condições precárias de trabalho e a mudança em nada alteraria o estado de insegurança generalizado dentro dos presídios.

O Brasil possui hoje, segundo dados de 2018 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), mais de 800 mil pessoas presas.

Para ser aprovada, a PEC precisa ser aprovada em segundo turno na Câmara e, ainda, passar por análise no Senado.

Leia a íntegra da carta:

Carta aberta à Câmara dos Deputados contra a Proposta de Emenda Constitucional 372/2017

Excelentíssimos Parlamentares,

Nós, movimentos e organizações da sociedade civil brasileira e órgãos públicos abaixo  assinadas, viemos nos manifestar ​contra a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 372/2017 ​que cria a polícia penal federal, nos estados e distrito federal.

A PEC 372/17 acrescenta ao rol dos órgãos do sistema de segurança pública a polícia penal, com competência para exercer a segurança dos estabelecimentos penais e “​outras atribuições definidas em lei específica de iniciativa do Poder Executivo”. Conforme consta na justificativa da proposta apresentada no Senado Federal, a alteração tem como objetivo conferir “​aos agentes penitenciários os direitos inerentes à carreira policial e liberando os policiais civis e militares das atividades de guarda e escolta de presos ​”. Em 2010, a Pastoral Carcerária Nacional e a Justiça Global se manifestaram contrariamente  à proposta . Em 2016, Agenda Nacional pelo Desencarceramento, documento subscrito 1 2 por mais de 30 organizações de todo o Brasil, rechaçou expressamente todas “​as propostas de transformação da carreira de agentes prisionais em “polícia penitenciária”, em tentativa clara de distorção da função oficial de tutela (e não de repressão) dos quadros do sistema penitenciário”. A despeito destas manifestações, em 2017, a PEC foi aprovada no Senado e, nas​próximas semanas​, deve ser votada no Plenário da Câmara dos Deputados. A criação de uma polícia penal intensifica as condições precárias dos trabalhadores do istema penal para além de reduzir a transparência e o controle externo em um sistema prisional estruturado por problemas endêmicos de corrupção, violência e violação de direitos.

 Encarceramento em massa e condições insalubres de trabalho

A melhoria das condições de trabalho dos servidores penitenciários não virá da criação de uma Polícia Penal. Tornar o servidor penitenciário em um policial não resolve a demanda por reconhecimento e valorização profissional. A grande maioria dos policiais brasileiros também recebe péssimos salários e é submetida a condições precárias de trabalho – pessoais e materiais, como reconhecido pelo Relator Especial das Nações Unidas (ONU), Philip Alston, em 2008.

As prisões brasileiras estão hiperlotadas. O número de presos é o dobro do número de  vagas no país, o que torna o ambiente prisional um lugar onde a tensão é constante e as condições degradantes, não atingem apenas as pessoas presas, mas, na maioria das vezes, também os/as agentes prisionais. Sem políticas de diminuição da população carcerária, as condições de trabalho seguirão insalubres, com riscos à saúde física e mental de todas as pessoas que estão atreladas ao cárcere, inclusive servidores.

Segundo dados do CNJ, o Brasil tem hoje mais de 800 mil pessoas presas, a maior parte delas negras, jovens e de periferia. O país não cumpriu o compromisso de diminuição de 10% em 02 anos, firmado em Genebra no ano de 2017, ao contrário, as taxas de encarceramento sobem exponencialmente no país.

Competências conflitantes

As atribuições policiais de uma polícia penal seriam não apenas redundantes, mas, também, conflitantes às funções das polícias civil, federal e militar, podendo ensejar nulidades processuais.

Na proposta, servidores encarregados das funções de custódia solicitam poderes de polícia – exercer a segurança da unidade e outras atribuições a serem especificadas. A definição de competência dessa nova instituição é vaga e pode caber do policiamento ostensivo,         escolta de preso, controle de distúrbio, à atividades de investigação e inteligência policial.

Logo após a Constituição de 1988, e até hoje, debate-se a reestruturação das polícias, a fim de iniciarmos um regime democrático que não repetisse as violações da ditadura militar. Contudo, as violências e o aprofundamento de atuações militarizadas permanecem e temos a polícia que mais mata e mais morre do mundo. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública as mortes causadas pela polícia aumentaram quase 20% e bateram recorde no último ano: foram 6220 vítimas mortas pelo Estado – destes 75,4% são negros e 3 mais de 99% são homens.

Vale dizer que a Lei Federal 13.022/2014 concedeu poder de polícia às guardas municipais de todo o país, fato que não reduziu os números de homicídios ou os índices de violência. Pelo contrário, a medida resultou na expansão das guardas em municípios que            regulamentaram a lei, criando inclusive tropas de choque, que sob a lógica da militarização, têm atuado de forma ostensiva e repressiva sobretudo nas periferias e em cenas de uso problemático de drogas dos grandes centros urbanos.

O dever de custodiar é inconciliável com o dever de investigar

Uma polícia penal teria como atribuição a investigação de crimes praticados no interior de suas próprias unidades prisionais – usurpando a competência da polícia civil, por exemplo.

Assim, haveria um conflito de interesses permanente entre os deveres de custodiar pessoas presas e investigar crimes, uma fusão de atribuições já reconhecida como problemática dentro do consenso nacional pelo fechamento das carceragens das delegacias da polícia civil. Nesses locais, quem tem o dever de custódia está simultaneamente encarregado de investigar delitos, muitos dos quais praticados por policiais ou pessoas presas nas próprias carceragens.

Enquanto delegados de polícia reivindicam, com razão, a separação das atribuições de            polícia e de custódia, agentes penitenciários clamam hoje pela junção dessas mesmas funções. Essa sobreposição de competências de polícia às de custódia também seria            contrária a normas internacionais .

Menos transparência e controle externo dos cárceres

Durante décadas, a notória falta de transparência e a ausência de controle externo do sistema prisional brasileiro têm sido identificadas pela sociedade civil, por autoridades públicas brasileiras e por organismos internacionais – tais como por representantes da ONU             (Organização das Nações Unidas), da OEA (Organização dos Estados Americanos), membros da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) Carcerária, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Mecanismos de Prevenção e Combate à Tortura – como falhas essenciais  que permitem e promovem a permanência da tortura constante, do descontrole e outras irregularidades.

Por tender a atribuir funções de investigação criminal aos servidores do sistema prisional, a criação de uma Polícia Penal agravaria a natureza fechada e corporativista do sistema prisional pátrio. Nesta toada, se o crime for cometido por agente se segurança,             confundir-se-á as figuras do investigador e do investigado corroborando para uma blindagem daqueles agentes que praticam tortura e abusos de poder no cotidiano carcerário.

Táticas militares de repressão

O trabalho do agente penitenciário é de atividade de justiça e não de segurança pública, de acordo com o art. 1º, da LEP. Equipará-lo a atividade policial, representaria o afastamento

Vide Regras n. 74 e seguintes das Regras Mínimas de Tratamento de Reclusos – Regras de Mandela, versam especificamente da seleção especial e treinamento a ser destinado a servidores do sistema penal.

de sua função de custódia, aproximando a atuação militarizada baseada na lógica do inimigo, o qual deve ser enfrentado e se possível eliminado.

Vale mencionar que alguns Estados, a despeito da ausência de previsão constitucional, destacaram parte do efetivo de agentes penitenciários para atuar como se forças de segurança fossem. Por meio de ato do poder executivo, criaram grupamentos de            intervenções para exercer poder de polícia em ações de repressão em unidades prisionais, forneceram armamento e treinamento de atuação equiparado ao das forças táticas das polícias militares. A ação destes grupamentos segue a lógica de atuação da polícia militar nas ruas, sendo marcada pela extrema violência. O desvio de função e a constitucionalidade desta prática já vêm sendo questionadas por integrantes do Ministério Público e Defensorias Públicas estaduais.

Indigna saber que no mês em que o Massacre do Carandiru completou 27 anos, queiram pautar Proposta de Emenda Constitucional que tem o potencial de replicar esse cenário. Em 02 de outubro de 1992, ao menos 111 pessoas foram mortas em uma ação da polícia militar dentro de uma unidade prisional paulista. De lá para cá, vários outros massacres ocorreram: em 2002, no Urso Branco, 27 mortos; em 2004, em Benfica, 31 mortos; em 2010, em Pedrinhas, 18 mortos; em 2016, em Alcaçuz, 26 mortos; em 2017, no COMPAJ, 56 mortos; em 2017, em Monte Cristo, 33 mortos; em 2019, novamente no COMPAJ, 55 mortos; em 2019, em Altamira, 62 mortos.

Os organismos internacionais, e as entidades nacionais, vêm recomendando ao Brasil, reiteradamente, que reduza a massa carcerária urgentemente, que separe a função de prender da função de custódia e endereçe medidas objetivas e efetivas contra a tortura.

A aprovação da Proposta, sem dúvida alguma, vai na contramão de todas essas orientações e de da construção de um Brasil mais justo, mais seguro e menos violento.

Solicitamos, portanto, a Vossas Excelências a rejeição da PEC 372, de 2017.

1 ABJD – Associação Brasileira de Juristas pela Democracia

2 ABRAMD – Associação Brasileira Multidisciplinar de Estudos sobre Drogas

3 AGANJU – Afro Gabinete de Articulação Institucional e Jurídica

4 Agente de Pastoral Negros

5 AJD – Associação Juízes para a Democracia

6 Amparar – Associação de Amigos e Familiares de Pessoas Presas

7 APADEP – Associação Paulista de Defensores Públicos

8 ASDPESP – Associação de Servidoras e Servidores da Defensoria Pública de São Paulo

9 Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis,Transexuais e Intersexos

10 Associação de moradores do conjunto de favelas da maré

11 Associação Protetora dos Desvalidos em Salvador

12 CDHS – Centro de Direitos Humanos Sapopemba

13 CEDENPA – Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará

14 CEN – Coletivo de Entidades Negras

15 Centro Acadêmico 22 de Agosto – PUC/SP

16 Centro Acadêmico de Direito da UnB

17 Centro de Defesa do Direito da Criança e Adolescente Mônica Paião Trevisan/Cedeca Sapopemba

18 Coletivo de Juventude Negra Cara Preta

19 Coletivo Sapato Preto – Lésbicas Negras Amazônidas

20 Comissão de direitos Humanos da OAB/SP

21 Comissão de Política Criminal e Penitenciária da OAB/SP

22 Conectas Direitos Humanos

23 Conselho Regional de Psicologia 16a Região – ES

24 Conselho Regional de Psicologia 6a Região – SP

25 Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro

26 CRENLEGO – Centro de Referência Negra Lélia Gonzales

27 CRIOLA

28 CUT – Central Única dos Trabalhadores

29 DeFEMde – Rede feminista de Juristas –

30 Defensoria Pública do Estado da Paraíba

31 Defensoria Pública do Rio de Janeiro

32 Diretório Acadêmico IV de Julho – Faculdade de Direito Damásio

33 Educafro

34 FAOR – Fórum da Amazônia Oriental

35 Fórum Permanente de Saúde no Sistema Penitenciário do RJ

36 Frente Brasileira de Lésbicas Negras Anti-Racismo

37 Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito

38 Frente Estadual pelo Desencarceramento – RJ

39 Frente Estadual pelo Desencarceramento – SP

40 Frente Inter-religiosa Dom Paulo Evaristo Arns por Justiça e Paz

41 GAJOP – Gabinete Assessoria Jurídica Organizações Populares

42 Geledés – Instituto da Mulher Negra

43 Grupo de Pesquisa Saúde nas Prisões/ ENSP/Fiocruz

44 Grupo Nzinga de Capoeira Angola-DF

45 Grupo Tortura Nunca Mais

46 IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

47 IDDD – Instituto de Defesa do Direito de Defesa

48 Inesc – Instituto de Estudos Socioeconômicos

49 INNPD – Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas

50 Instituto Pro Bono

51 Instituto Sou da Paz

52 ISER – Instituto de Estudos da Religião

53 ITTC – Instituto Terra, Trabalho e Cidadania

54 Juventude Manifesta

55 LabGENPEN – Laboratório de Gestão de Políticas Penais

56 Laboratório de Direitos Humanos da UFRJ

57 Laboratório de estudo sobre Trabalho, Cárcere e Direitos Humanos – UFMG

58 Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura

59 MNU – Movimento Negro Unificado

60 Movimento Candelária Nunca Mais

61 Movimento Moleque

62 NACRE – Núcleo de Arte e Cultura Rumpilé do Engenho

63 Nova Frente Negra Brasileira e Núcleo Estadual de Mulheres Negras do ES

64 Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo

65 Pastoral Carcerária do Estado da Paraíba

66 Pastoral Carcerária do Estado do Maranhão

67 Pastoral Carcerária Nacional

68 Pastoral Carcerária Regional Nordeste 1

69 Pastoral Carcerária Regional Oeste 1

70 Pastoral da Mulher Marginalizada

71 Pastoral do Menor Nacional

72 PDRR – UFBA – Programa Direito e Relações Raciais – Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia

73 Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político

74 Rede Afro LGBT

75 Rede de Mulheres Negras da Bahia

76 Rede de Mulheres Negras de Pernambuco

77 Rede de Pesquisa Psicanálise eSaúdePúblicadoFórumdoCampoLacaniano            de São Paulo

78 Rede de Proteção e Resistência ao genocídio

79 Rede Nacional de Feministas Antiproibicionista

80 Rede Sapatà – Rede nacional da Promoção e controle social em saúde das             LBTS Negras

81 Redes da Maré

82 REDUC -Rede Brasileira de Redução de Danos e Direitos Humanos

83 Renafro-Saúde – Rede Nacional de Religião Afro Brasileira e Saúde

84 Serviço Pastoral dos Migrantes

85 Sindicato dos Advogados do Estado de São Paulo

86 Sociedade de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH

87 Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos

88 342 Artes

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