O Projeto
Depois de anos de pressão por parte da sociedade civil, o Legislativo e o Judiciário brasileiros chegaram a duas importantes constatações:
A primeira, de que o convívio entre mães e filhos é absolutamente essencial para garantir o pleno desenvolvimento da criança, sobretudo na primeira infância, e deve ser sempre priorizado;
A segunda, de que encarceramento feminino é um problema social gravíssimo e urgente, e é consequência direta da situação de vulnerabilidade e violência a que milhões de mulheres estão expostas no país.
Essas duas conclusões inspiraram o Marco Legal da Primeira Infância, aprovado em 2016, que dá às mulheres presas gestantes ou com filhos menores de 12 anos o direito de responderem o processo em liberdade provisória ou prisão domiciliar.
A lei ganhou reforço em fevereiro de 2018 com a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de conceder habeas corpus coletivo a todas as presas nessas condições que não respondam por crimes cometidos sem violência ou grave ameaça – como é o caso para mais de 70% da população carcerária feminina no brasil, segundo dados de junho de 2016 do Ministério da Justiça.
O projeto #MãesLivres nasceu em novembro de 2017 para tirar essa garantia do papel e devolver as mães da Penitenciária Feminina de Pirajuí, no interior de São Paulo, aos seus filhos. Nessa página você verá os resultados desse trabalho e os desafios para fazer cumprir a lei.
Vozes
A equipe do IDDD perguntou a cada das mais de 150 mulheres entrevistadas no Presídio de Pirajuí o que elas gostariam de dizer ao juiz responsável por sua prisão. Algumas dessas respostas estamparam cartões postais que foram, posteriormente, enviados a todos os/as magistrados/as de São Paulo. As ilustrações são assinadas pela artista Maria Valentina Fraiz.
“Eu queria que ele me desse a oportunidade de estar com meus filhos, o meu bebê e a pequena de três aninhos, que está sofrendo mais. E eu queria que ele me desse atenção porque é a palavra daqueles policiais contra minha. Eu sei que eles são pessoas da lei e eu não sou ninguém perante eles, mas eu preciso cuidar da minha mãe e dos meus filhos. Eu preciso deles e eles precisam de mim.”
Adriana, 32 anos
“Eu gostaria de falar pra ele que eu não sou essa criminosa que ele pensa que eu sou, porque eu sou uma mãe que tava ali fazendo minhas coisas. Eu não sou má influência pros meus filhos e cuido muito bem deles.”
Cleonice, 38 anos
“Queria que ele reforçasse que eu estou estudando, estou trabalhando, nunca dei trabalho aqui dentro e eu quero muito sair para cuidar da minha filha. Eu aceito até ficar presa em casa cuidando da minha filha, mas não queria ficar aqui. Queria estar com ela ensinando ela a ler e escrever.”
Emely, 24 anos
A jornada
Encontro de formação com equipe, associados/as do IDDD, ITTC, Instituto Alana, a defensora pública Maíra Coraci Diniz e a professora da FGV Eloísa Machado.
11Out 17
Início do período de visitas à Penitenciária de Pirajuí. Unidade abrigava 1024 mulheres, mas só dispunha de 718 vagas.
30Nov 17
Primeiro habeas corpus concedido no âmbito do projeto.
19Fev 18
STF concede habeas corpus coletivo em favor das gestantes e mães com filhos de até 12 anos. IDDD atuou no caso como amicus curiae.
20Fev 18
Fim do período de visitas ao presídio.
25Jun 18
Equipe que participou dos atendimentos se reúne em São Paulo para compartilhar sentimentos e tecer relato conjunto sobre as experiências proporcionadas pelo projeto.
11Ago 18
IDDD apresenta petição ao ministro do STF Ricardo Lewandowski analisando casos em que o pedido de prisão domiciliar foi rejeitado na 1ª instância.
5Out 18
Em nova decisão, Lewandowski reitera alcance do HC coletivo e cobra acompanhamento de casos de indeferimento identificados pelo IDDD.
24Out 18
Menção honrosa no Prêmio Betinho de Cidadania 2019.
5Ago 19
Menção honrosa na seleção pública de boas práticas pela primeira infância do CNJ, na categoria "Sociedade Civil Organizada".
3Dez 19
Exibição do documentário no Human Rights Film Festival, em Veneza.
7Dez 19
Depoimentos
O Mutirão Mães Livres se insere na história do IDDD como um projeto de importância e proporções inegavelmente grandes, mas acima de tudo como um gatilho de reflexões cruciais àqueles que se propõem a trabalhar com direitos humanos, o acesso efetivo à Justiça e o debate de gênero no Brasil.
Entrevistar e oferecer assistência jurídica a cada uma das mulheres participantes do projeto na Penitenciária Feminina de Pirajuí nos proporcionou a compreensão vívida de muitos elementos, entre eles as violências envolvidas em todo o ciclo do encarceramento, os seus efeitos muito mais abrangentes do que os legais sobre a vida dessas mulheres e de suas famílias, e o funcionamento de um sistema misógino e racialmente seletivo de justiça criminal.
Aliadas a essa compreensão, as experiências vividas por cada um dos componentes do IDDD no mutirão – entrevistadores, equipe executiva, diretoria e advogados voluntários do Instituto – serviram a fortalecer o sentido da defesa real do Direito de Defesa, atenta à magnitude e diversidade das vulnerabilidades com que lidamos.
Pessoalmente, o mutirão representou divisor de águas quanto à experiência de ser mulher e advogada de direitos humanos, a proximidade e a identificação experimentadas em cada uma das entrevistas reafirmaram a certeza de que trabalhar pela liberdade vale a pena.
O encarceramento feminino é consequência direta da desigualdade e da violência de gênero que persistem no país, embora muita gente no sistema de Justiça ainda não o encare dessa maneira. Prender mulheres é impor a elas e suas famílias, fatalmente esgarçadas pelas ausências, novos e mais profundos ciclos de violência.
Realizamos mutirões carcerários desde o surgimento do IDDD no ano 2000. Naquela época, a atuação do Instituto baseava-se no trabalho voluntário de diversos advogados criminalistas, capitaneados por Márcio Thomaz Bastos, Arnaldo Malheiros Filho, José Carlos Dias, três de seus ilustres fundadores. Esses associados se reuniam dentro de delegacias e unidades carcerárias para coibir prisões ilegais e fortalecer o direito de defesa, momento em que se dava início ao que hoje chamamos encarceramento em massa, com prisões cada vez mais lotadas, degradantes e desumanizadas.
Com o tempo, o IDDD percebeu que os mutirões só fariam verdadeira diferença se viessem acompanhados de coleta de dados e estudos mais aprofundados para sensibilização do Judiciário, Ministério Público e sociedade civil, no sentido de que a prisão não é solução para nossos problemas e, ao contrário, apenas fomenta a violência e a desigualdade que tanto assolam nosso país.
Em 2017, percebemos que já passava da hora de olhar de maneira específica para o encarceramento feminino. Quando o IDDD surgiu, há 18 anos, o Brasil abrigava 5 mil mulheres presas. Em 2016, elas já somavam 42 mil – cerca de 19 mil não tinham condenação.
Vimos que, embora o Marco Legal de Atenção à Primeira Infância, sancionado em 2016, garantisse a todas as mulheres gestantes e com filhos de até 12 anos o direito de substituição da prisão preventiva pela domiciliar, a realidade era outra.
Com frequência elas são separadas de seus filhos pequenos ou recém- nascidos ou são obrigadas a dar à luz dentro do cárcere – por vezes subjugadas pelo uso de algemas. E a maioria das acusações que pesam sobre essas mulheres estão relacionadas com o pequeno tráfico de drogas, o que apenas reitera sua extrema vulnerabilidade.
O Mutirão Carcerário Mães Livres teve o mérito de enfrentar esse estado de coisas demandando que a Justiça priorize medidas não encarceradoras para todas as mulheres e, no caso das mães, garanta o pleno exercício da maternidade – o que só pode acontecer em liberdade, longe dos muros da prisão.
Agradecimentos
Agradecemos a todos e todas que trabalharam incansavelmente para a realização do projeto:
Execução do projeto e pesquisa
Diretora responsável | Daniella Meggiolaro
Coordenação | Marina Dias, Amanda Oi e Vivian Calderoni
Assessoria de Projeto | Bárbara Correio Florêncio Silva
Equipe | Heloísa Bonfanti e Marília Fabbro de Moraes
Estagiários | Ana Lia Galvão, Carlos Eduardo de Carvalho e Emerson Ramayana
Associados/as voluntários/as do IDDD
Francisco de Paula Bernardes Junior; Luiz Fernando Siqueira Ulhôa Cintra; Luiz Guilherme Rahal Pretti; Marcela Fleming Soares Ortiz; Marco Antonio Chies Martins; Mariana Chamelette Luchetti Cavi; Marina Pinhão Coelho Araújo; Marina Franco Mendonça; Marina Lima Ferreira; Marina Gabriela de Oliveira Toth; Michel Kusminsky Herscu; Nara Aguiar Chavedar; Natália Macedo Sanzovo; Nicole Ellovitch; Pamela Michelena De Marchi Gherini; Patricia Bocardo Batista Pinto; Priscila Pâmela dos Santos; Raphael Blaselbauer; Rafael Coltro; Renata Matida Politi; Renata Rodrigues de Abreu Ferreira; Roberta de Lima e Silva; Ronan Bonello da Silva; Stefano Fabbro de Moraes; Thais Molina Pinheiro; Theuan Carvalho Gomes da Silva; Tomaz Aribi Fiszbaum; Vinícius Joaquim Fernandes Vilas Boas.
Outros/as voluntários/as
Caroline Gois Chaves; Clarissa Paiva; Eva Lyra; Gabriela Carrocini; Julia de Góes Ribeiro; Julia Machado Barreto; Mayra Gramani; Miguel Angel Herrera; Paula Gouvêa Barbosa; Rafael Coltro; Rebeca Marques Rocha; Ronan Bonello da Silva; Wallessandra Souza Rodrigues.
Entidades parceiras:
Defensoria Pública de São Paulo, ITTC (Instituto Terra, Trabalho e Cidadania) e Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo.
O IDDD agradece especialmente a Maíra Coraci Diniz, Carolina Sorrentino, William Roberto Casimiro Braga e Wilson Clayton Massamoto Goya, da Defensoria Pública de São Paulo; Inae Almeida de Mattos e Cássio Martins Santos Silva, da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo; a Graziella Fernanda Rodrigues Costa e Estela Goes Leite, da Penitenciária Feminina de Pirajuí; a Raquel da Cruz Lima, do ITTC (Instituto Terra, Trabalho e Cidadania); a Thaís Dantas e Guilherme Perisse, do Instituto Alana; a Eloísa Machado, do CADHu (Coletivo de Advogados de Direitos Humanos); e a Miguel Angel Herrera, da produtora Forward.
Financiaram o projeto: