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Dividido, STF analisa a constitucionalidade da prisão em segunda instância

Ações estão prontas para julgamento desde 2017; para IDDD, execução antecipada da pena viola o princípio da presunção de inocência

Nesta quinta-feira (17) o STF (Supremo Tribunal Federal) dará início ao julgamento de três ADCs (Ações Declaratórias de Constitucionalidade) que tratam da prisão após condenação em segunda instância. O tema foi tratado diversas vezes pelo plenário da Corte desde 2009, a partir do julgamento de um habeas corpus, mas a discussão em abstrato vem sendo adiada desde 2017.

O julgamento avaliará a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, que afirma que “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência da sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.

No primeiro julgamento, o STF formou maioria contrária à execução antecipada da pena. Já em 2016, em meio ao avanço da operação Lava Jato, o plenário entendeu por margem de apenas um voto que a prisão após condenação em segunda instância era possível. Em 2017, o ministro relator Marco Aurélio Mello liberou as ADCs para julgamento (veja o histórico completo abaixo).

O IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), que atua no caso como amicus curiae – um instrumento jurídico que oferece aos ministros uma opinião técnica independente -, é contrário à execução antecipada da pena por entender que ela viola o princípio da presunção de inocência e o direito de defesa.

Clique aqui para acessar o amicus curiae do IDDD.

Em 2017, por meio de nota pública, o Instituto já defendia o julgamento das ADCs e alertava que o debate estava rodeado de equívocos e paixões, por estar atrelado a casos da operação Lava Jato e ao julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ao longo destes anos, a organização também pontuou reiteradas vezes que uma decisão no sentido de autorizar a execução antecipada da pena atingiria milhares de pessoas.

Segundo dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) de 2018, há mais 800 mil pessoas presas no país – esta é a terceira maior população prisional do mundo. Duas de cada cinco pessoas privadas de liberdade (40%) estão presas provisoriamente. Mais de 24% já foram condenados, mas ainda não esgotaram as possibilidades de recorrer da decisão. Em nota, o CNJ afirmou que uma decisão contrária ao atual entendimento impactaria, no máximo, apenas 4,8 mil pessoas presas.

De acordo com pesquisa da Defensoria Pública do Rio de Janeiro que analisou quase 900 processos que chegaram ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), 49% dos habeas corpus favoreceram os réus, assim como 41% dos recursos especiais. Isso significa que os tribunais superiores atenuaram as penas impostas pelas instâncias inferiores ou absolveram os acusados em quase metade dos casos.

Segundo o presidente do IDDD Hugo Leonardo, que fará sustentação oral no STF, a prisão em segunda instância é a “principal batalha”, atualmente, para a garantia do princípio da presunção de inocência. “Estamos diante do principal debate sobre a ideia de presunção de inocência e é urgente que a corte recupere o sentido integral e original desse princípio”, afirma. “Uma das grandes justificativas para a defesa da prisão antes do trânsito em julgado é dizer que o Brasil é o país da impunidade. Esse discurso tem sido amplamente reproduzido, e impede de irmos na raiz do problema: o Brasil usa a prisão como regra, e não exceção, e isso é absolutamente contrário ao que determina a Carta de 1988. Aceitar a prisão em segunda instância significa compactuar com a disfuncionalidade e incoerência do sistema de justiça criminal.”

Histórico

Em 2009 o STF enfrentou o tema da execução provisória da pena no julgamento de um pedido de habeas corpus relatado pelo então ministro Eros Grau (HC 84.078/MG). Na ocasião, a Corte, por 7 a 4, decidiu pela inconstitucionalidade da execução antecipada da pena de modo que que a prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente poderia ser decretada a título cautelar.

Esse entendimento valeu até 2016. Em um caso de habeas corpus relatado pelo ministro Teori Zavascki (HC 126.292/SP) e julgado em fevereiro daquele ano, a Corte passou a admitir, por sete votos a quatro, a execução provisória da pena antes do trânsito em julgado da condenação.

Em outubro daquele mesmo ano, o STF deu início ao julgamento de duas ADCs, a 43 e a 44, que questionavam esse entendimento. A decisão foi apertada: por seis votos a cinco, a Corte determinou que não havia incompatibilidade entre a execução provisória da pena e o respeito ao artigo 283 do CPP. Foram vencidos os ministros Marco Aurélio, Celso de Mello, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber e Dias Toffoli.

Um dos ministros que votou pela manutenção da possibilidade de prisão após segunda instância foi o ministro Gilmar Mendes, que desde então reviu sua posição e tem concedido inúmeros habeas corpus para suspender prisões após segunda instância.

Em um Recurso Extraordinário com Agravo (964.246), também relatado por Zavascki e julgado em novembro de 2016, uma maioria de 6 a 4 decidiu, através do plenário virtual do Supremo, reafirmar a execução provisória da condenação, mesmo havendo a possibilidade de recurso a instâncias superiores. A ministra Rosa Weber não se manifestou no caso.

Mais recentemente, no habeas corpus 152.752 apresentado em favor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e julgado em abril de 2018, a ministra reafirmou a posição manifestada por ela em 2016, no sentido da inconstitucionalidade da aplicação de pena antes do esgotamento dos recursos. Disse, entretanto, que o que estava em jogo era a aplicação do entendimento da Corte a um caso concreto e ajudou a formar maioria (com ressalvas) favorável à execução antecipada da pena.

Em dezembro de 2018, o ministro Marco Aurélio Mello, relator do caso, expediu liminar determinando a soltura de todas as pessoas em execução provisória da pena. A medida não contemplava pessoas presas preventivamente – ou seja, excluía pessoas que, na visão dos juízes, poderiam oferecer risco à sociedade ou ao andamento do processo. A decisão monocrática de Marco Aurélio foi derrubada horas depois pelo presidente da Corte, Dias Toffoli, em resposta a pedido da Procuradoria-Geral da República.

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